Professora Cristina Centeno partilha o seu percurso de coragem e dedicação no Dia Mundial da Ajuda Humanitária
2024-08-19 13:13Professora Cristina Centeno partilha o seu percurso de coragem e dedicação no Dia Mundial da Ajuda Humanitária
Professora Cristina Centeno partilha o seu percurso de coragem e dedicação no Dia Mundial da Ajuda Humanitária
A Professora Cristina Centeno, docente na área de Ensino de Enfermagem da Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha Portuguesa (ESS CVP Lisboa), já nutria o sonho de participar numa missão humanitária desde os seus tempos de estudante. O que começou como a ideia de realizar uma única missão em 1986, no deserto do Mali, transformou-se em 11 missões ao longo de uma vida dedicada a ajudar os mais vulneráveis, enfrentando cenários de guerra, catástrofes naturais e desafios inimagináveis. Além do seu incansável trabalho no terreno, a Professora Cristina Centeno também tem inspirado as novas gerações com as suas histórias de coragem e resiliência na prática do ensino. Agora, aos 65 anos, e com um legado impressionante, reflete sobre uma carreira marcada por uma paixão inabalável por fazer a diferença no mundo neste artigo publicado pela Ordem dos Enfermeiros.
“Ainda era estudante quando a Enfermeira Cristina Centeno disse a si própria que um dia faria uma missão humanitária. A ideia inicial era essa: uma missão. Em 1986 esteve no deserto do Mali a ajudar crianças desnutridas. Porém, uma missão passou a duas, três, quatro… O número está nas 11, numa vida que acabou por ser dividida ainda com o ensino na Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha Portuguesa. As histórias multiplicam-se. A forma como as conta demonstram como viveu intensamente, enfrentando vários cenários de guerra, de catástrofe, sempre destemida e focada na ajuda que poderia dar no que fosse preciso.
“Não se pode pensar. Porque se se pensa, não se vai”, afirma, reiterando enquanto recorda momentos que poderiam levar a ponderar (e muito) a presença em missões que acarretam riscos para a segurança e saúde.
Senão vejamos: “Passei por cima de minas que não rebentaram, tive pessoas a disparar à minha volta que não acertaram porque eram zarolhas, tive duas vezes paludismo cerebral, que se morre ao primeiro…” E há que acrescentar que viu bem perto o cano de uma kalashnikov!
Além do “não pensar”, Cristina Centeno destaca que aceitar estas missões também advém do “querer fazer coisas diferentes, sem demérito para quem está nos centros de saúde e hospitais”. Reforça dizendo que experimentou as missões humanitárias e gostou. O fundamental? “As pessoas com quem se trabalha e o suporte da organização [responsável pela missão].” E considera ainda essencial o funcionamento em equipa.
Como tudo começou
Estudou na Cruz Vermelha Portuguesa e uma enfermeira que ali lecionava a cadeira que abordava a história da instituição, acabou por aguçar a vontade de Cristina Centeno de fazer uma missão humanitária.
Ao terminar o curso, Cristina Centeno admite que não gostava dos ambientes hospitalares. Ainda não sabia o caminho certo a seguir, mas como afirma: “Só sabia que não gostava.” Foi no Hospital de Santa Cruz que encontrou um local onde se sentiu bem. Unidade recente, muito procurada por todos, mas a enfermeira conseguiu lá ficar.
Ao contar a sequência de eventos que a levou à primeira missão e às seguintes, percebe-se como sempre foi atrás do que queria, aproveitando todas as oportunidades. E foi precisamente isso que aconteceu quando foi ao Mali na sua primeira missão, depois de ter ido para a Suíça tirar um curso. Porém, ao não conseguir entrar no curso que queria, soube por uma enfermeira de uma Organização Não Governamental americana que prestava apoio humanitário, agarrou a oportunidade.
Perguntaram-lhe: “Para onde vai é completamente deserto e não tem nada de nada. Já pensou nisso?” Respondeu que não. “Não quer pensar?” Foi taxativa: “Não, quero ir.”
Recorda que não conhecia nada do Mali. Aterrou em Bamako e seguiu numa pequena avioneta até o local onde ficaria os próximos seis meses. No meio do deserto, trabalhou num centro de recuperação nutricional para crianças. O tempo “fresco” era às quatro da manhã, quando estavam 40 graus. A fome e seca dominavam.
O choque cultural também foi uma lição, como por exemplo, o modo como as mães lidavam com a morte de uma criança. Foram os tuaregues que a ajudaram quando sofreu paludismo cerebral, tratando a enfermeira com o que tinham. “Eu estive 24 horas do ‘lado de lá’”, conta.
Continuou fiel ao que parece ser quase um mantra. Não pensar no que pode acontecer. Se é o que quer, age.
Estávamos em 1986 quando Cristina Centeno regressou ao Hospital de Santa Cruz. Tinha concretizado a tão desejada missão humanitária. Mais tarde, seria convidada pela mesma ONG para nova missão no Mali. O recente divórcio fez com que recusasse. Mas não, não era fim, muito estava para acontecer, a começar pelo regresso ao Mali em 1993, desta feita, integrada no Comité Internacional da Cruz Vermelha.
Entre essas missões foi convidada para lecionar na Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha Portuguesa. O Comité Internacional precisou de alguém que falasse português para ir para Moçambique. A enfermeira encaixava na perfeição no perfil desejado. Mais tarde seguiram-se duas missões em Angola.
Dizia sempre que era a última vez… Mas não era. Foi sempre apostando na sua própria formação e quando a escola fechou um ano letivo para atualizar o programa de ensino, Cristina Centeno pediu autorização para ir tirar o curso de patologia tropical na Bélgica.
Nem sempre foi pacífica a ida para as missões e a ausência na escola – algo bem patente quando quis ir para Timor – e não ajudava a falta de progressão na carreira. Maria Barroso, então presidente da Cruz Vermelha Portuguesa, fazia permanentes apelos para que houvesse voluntários e Cristina Centeno queria responder.
Depois de obter uma licença sem vencimento, a enfermeira partiu para Timor com outra organização. Trabalhou num hospital dedicado ao tratamento da tuberculose. Gostou do trabalho, mas nem tudo correu bem. Os médicos que lá estavam foram gozar férias e não voltaram. Ficou sozinha e acabou por perceber porquê. Sem receber o pagamento devido, também Cristina Centeno encurtou a estadia em Timor para seis meses.
Sobravam outros tantos da licença sem vencimento. Falou com o Comité e fez as malas rumo ao México. Até então, os cenários que encontrava eram marcados por conflitos. Mas chegaria a missão que a faz desabafar: “Uma pessoa sente-se completamente impotente.”
Guerra vs Catástrofe
A 26 de dezembro de 2004 um tsunami devastou vários países do sudeste asiático, incluindo a Indonésia. O Estado português formou uma equipa de ajuda humanitária. Cristina Centeno fez parte dela e pela primeira vez enfrentou um cenário de catástrofe.
“Em cenários de guerra, ou estou no centro de saúde, ou faço uma visita, ou vou ao hospital… sempre em stress. Há coisas que correm muito bem, há dias que se está melhor que noutros. Em 24 horas estamos a chorar porque uma criança morreu, três horas depois estamos a descarregar um avião com material de farmácia e ‘salva-se’ o mundo, mas à noite já se chora por qualquer razão… Durante o dia são vários picos [emocionais]”, conta.
“É diferente o que sentimos quando se trata de uma guerra ou quando se trata de uma catástrofe. Quando cheguei à Indonésia, não se ouvia uma mosca, e interroguei-me: ‘o que é que eu vim cá fazer? Não há nada para fazer, está tudo morto.'”
Foi o choque inicial ao ver vários corpos, numa região devastada pelas ondas que marcaram para sempre os países afetados. “O cheiro… Ainda tenho esse cheiro no nariz.””
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