[Healthnews] Ana Paula Nunes: A notificação da violência contra crianças: um dever deontológico

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[Healthnews] Ana Paula Nunes: A notificação da violência contra crianças: um dever deontológico

A violência contra crianças e jovens inclui ações ou omissões não acidentais que comprometem a dignidade e segurança das vítimas, manifestando-se como negligência, maus-tratos, abuso sexual e cyberbullying. Em 2023, a APAV registou aumentos significativos na violência doméstica e crimes sexuais contra crianças. Este artigo da autoria da Professora Ana Paula Nunes, coordenadora da Pós-Graduação em Missões Humanitárias, Catástrofes e Conflitos Enfermagem da Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha Portuguesa de Lisboa, aborda o papel dos profissionais de saúde, especialmente enfermeiros, na deteção e denúncia dessas situações, seguindo princípios éticos e deontológicos. A notificação é essencial para proteger e garantir o desenvolvimento seguro das crianças.

A violência contra crianças e jovens, é classificada como uma omissão e/ou uma ação, praticada por qualquer pessoa de forma não acidental, que implica com a dignidade da criança, o seu desenvolvimento biopsicosocialespiritual, que de alguma forma ameaça a sua segurança e põe em causa os seus direitos. A violência pode aparecer sob a forma de negligência, maus-tratos físicos e/ou psicológicos, abuso sexual, mendicidade, cyberbullying, abuso sexual online e Síndroma de Munchausen por Procuração.

A APAV (Associação Portuguesa de Apoio à Vitima) recebeu em 2023, 10 271 crimes de violência contra crianças e jovens, tendo a violência doméstica aumentado 20,7% de 2022 para 2023, e os crimes sexuais contra crianças e jovens aumentado 29,8%, no mesmo período. Sabemos também que o perfil de vitimação acontece de forma continuada (32,9%), com uma duração de 2 a 3 anos (18,6%), que são feitos na residência comum (49,9%), as vitimas são maioritariamente do sexo feminino (60,7%) e o agressor é essencialmente do sexo masculino (60,1%). Sendo considerado um problema de saúde pública, qualquer tipo de violência contra crianças e jovens, coloca desafios particulares aos profissionais de saúde, essencialmente, ao nível da ética e da deontologia.

Proteger crianças e jovens, é respeitar os princípios éticos da beneficência, da não maleficência, da vulnerabilidade, da autonomia e da justiça. Estes princípios implicam responsabilidades deontológicas de conhecimento sobre os direitos humanos, os direitos da criança, declarações internacionais, legislação nacional e os recursos existentes, para que possa ser dada uma resposta necessária, suficiente e adequada.

Contudo, alguns profissionais têm dúvidas quanto à articulação entre a manutenção do sigilo e a denuncia das situações de crianças vítimas de violência. E sim, o enfermeiro está obrigado a guardar segredo profissional sobre o que toma conhecimento no exercício da sua profissão, assumindo o dever de: a) Considerar confidencial toda a informação acerca do alvo de cuidados e da família, qualquer que seja a fonte; b) Partilhar a informação pertinente só com aqueles que estão implicados no plano terapêutico, usando como critérios orientadores o bem -estar, a segurança física, emocional e social do indivíduo e família, assim como os seus direitos; c) Divulgar informação confidencial acerca do alvo de cuidados e da família só nas situações previstas na lei, devendo, para o efeito, recorrer a aconselhamento deontológico e jurídico (Lei nº 156/2015, de 16 de setembro, Artº 106.º, 1, CDOE – Código Deontológico da Ordem dos Enfermeiros).

No entanto, os enfermeiros também têm o dever de: Respeito pelos direitos humanos na relação com os destinatários dos cuidados (Artº 99.º, 2, b), CDOE); Salvaguardar os direitos das crianças, protegendo-as de qualquer forma de abuso (Artº 102.º, b), CDOE);  Atribuir à vida de qualquer pessoa igual valor, pelo que protege e defende a vida humana em todas as circunstâncias; b) Respeitar a integridade biopsicossocial, cultural e espiritual da pessoa; c) Participar nos esforços profissionais para valorizar a vida e a qualidade de vida (Artº 103.º, a), CDOE); Dar, quando presta cuidados, atenção à pessoa como uma totalidade única, inserida numa família e numa comunidade; e, b) Contribuir para criar o ambiente propício ao desenvolvimento das potencialidades da pessoa (Artº 110.º, a), CDOE).

Neste sentido, deve numa primeira intervenção, denunciar as situações de violência contra crianças e jovens, aos Núcleos de Apoio às Crianças e Jovens em Risco (NACJR) ou aos Núcleos Hospitalares de Apoio às Crianças e Jovens em Risco (NHACJR) (Despacho nº 31292/2008, de 5 de dezembro), e orientar o indivíduo para o profissional de saúde adequado para responder ao problema, quando o pedido não seja da sua área de competência (Artº 104.º, b), CDOE), assim como, atuar responsavelmente na sua área de competência e reconhecer a especificidade das outras profissões de saúde, respeitando os limites impostos pela área de competência de cada uma (Artº 112.º, a), CDOE). Denunciar ou notificar significa fazer o relato de factos perante a entidade competente: contar o quê, quem, quando, onde, como e porquê. Assim, os profissionais de saúde, por inerência das funções que desempenham, têm responsabilidade particular na deteção precoce de fatores de risco, de sinais de alarme e na sinalização de crianças e jovens em risco, ou em evolução para verdadeiro perigo, pelo que há que criar, ou reformular onde existam, modelos organizativos e formas mais estruturadas de ação de cuidados de saúde que assegurem mecanismos, cada vez mais qualificados e efetivos, para intervir neste contexto.

Leia o artigo completo aqui: https://healthnews.pt/2024/06/27/a-notificacao-da-violencia-contra-criancas-um-dever-deontologico/

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